sexta-feira, dezembro 23, 2011

Entre uma xícara de café, silêncio e um toque de felicidade



        Esperei o dia todo por silêncio, uma xícara de café bem quente e amargo, mas com uma quantia generosa de açúcar, e não posso me queixar se só recebi meus pedidos um pouco antes da meia noite. Almejo por meus pensamentos em ordem já faz algum tempo, e quem disse que consigo? Penso em tanta coisa ao mesmo tempo em que não sei como ainda consigo tirar conclusões exatas de tudo que eu venho buscando entender… Na verdade eu sei, não venho concluindo nada. Estou me tornando um verdadeiro ponto de interrogação ambulante, meu olhar anda distante, e os suspiros são quase constantes que chegam a me entristecer. E eu estou cansada… Quero colocar a cabeça no travesseiro, dormir a noite toda, mais a manhã e ainda um tantinho da tarde. Mas como desperdiçar esse silêncio tão aconchegante que me vem pedindo colo enquanto minha cidade toda dorme? Será que dorme? Será? Será que existe um momento antes do raiar do dia em que todos podem ser encontrados no mais profundo sono? Ao menos em noites de terças-feiras como essa, em que a grande maioria trabalha e estuda no outro dia. Bom, acho que não, sempre tem um vagabundo ou outro que não faz nada da vida a não ser coçar aquele lugar o dia todo, esperando tudo que deseja cair do céu direto em suas mãos. Tem gente por aí que não vale um misero centavo furado. Mas agora tem gente que vale tanto… Vale tanto que só de sorrir já deixa o dia mais bonito.
          Coloquei, pela primeira vez, meus pés na rodoviária de Porto Alegre. Pode não parecer grande coisa, mas para alguém do interior como eu, aquilo lá já é muito. Muito grande. Com muita gente. Demorei alguns vários minutos para achar meu bloco de ônibus, e ainda tive de subir uma rampa enorme, cheguei ao banco quase colocando os pulmões para fora, olhei o relógio e logo fechei a cara. Minha ida para casa só chegaria dali uma hora e meia. No tempo de esperar, comecei, por pensamento, espraguejar minha vida de todos os jeitos que eu podia, as coisas andaram dando muito errado ultimamente, e eu já estava a ponto de mandar quase tudo à puta que pariu, sorte de quem não tentou uma conversa inteligente e prolongada comigo hoje. Eu só estava para papos curtos e retos. 
         Observei as pessoas que estavam, assim como eu, imagino, esperando seu ônibus chegar. Várias crianças corriam de um lado para o outro, e meus olhos já reviravam: de onde elas tiram tanta energia?! Criança é mesmo bicho estranho, e pensar que um dia já fui assim. Fiquei muitos minutos observando, pensando, reparando, pensando. Eu tinha muito no que pensar, tudo estava tão torto ultimamente que eu já estava com vontade de sair da linha. De repente, meu olhar encontrou um ponto fixo: Um casal. A mulher, rindo-se toda, com um pequeno bebê totalmente enroladinho em uma manta, até parecia um embrulhozinho de presente, o homem alegre que só. Ambos, salvo o bebê, vestiam abrigos esportivos do Brasil, o do homem azul, o da mulher verde. O homem fazia gestos estranhos e sorria, a mulher ria era dele. Felicidade estava tão estampada em suas caras, que era quase palpável para quem, como eu, os observava. Era um casal tão comum quanto qualquer outro, eu sei. Talvez esse único detalhe tenha os feito ter uma beleza especial para mim: o homem estava em uma cadeira de rodas. Eu sei, muitas pessoas andam em cadeiras de rodas. Só que eles estavam tão felizes. 
         Eu fiquei, não sei por quanto tempo, olhando para eles. E percebi como eu sou realmente idiota de fechar a cara para todos os meus problemas. Fechar-me para o mundo. Para as pessoas que me querem bem, só por causa dos meus problemas. Todo mundo tem problemas, uns piores, outros um pouco mais fáceis, mas ainda assim são problemas. Quantas pessoas que estão em uma cadeira de rodas, saem por aí, rindo a toa? Muitos reclamam e chamam suas vidas de merda, já vi gente dizendo que preferia ter morrido a perder os movimentos das pernas. Mas aquele homem… Eu podia juntar a alegria de todas as pessoas que encontrei hoje (e olha que não foram poucas) que mesmo assim não chegaria nem ao calcanhar da daquele homem. E era real. Não era uma risada de fachada. Era uma risada que vinha de dentro. Meus olhos quase lacrimejaram, mas não permiti. O pequeno embrulhosinho nos braços daquela mulher, não parecia um presente, me dei conta, ele era um presente, podia ser ele o principal motivo para aqueles dois rirem a toa. Lembrei-me então de um ditado tão famoso quanto velho, e dei-me conta, que talvez ele seja um dos mais verdadeiros que existem: “Se a vida te dá limões, faça uma limonada!” E com bastante açúcar, por favor. 
        Bom, acho que vou dormir, o dia foi longo e o café já esfriou. Não sei se todos na cidade se encontram em suas camas agora, mas eu vou me encontrar lá logo, logo. Ouve! Ou melhor, não se ouve nada. Até os grilos já cessaram seus cantos. Está na hora do silêncio trazer meu sono. Sssh…

terça-feira, novembro 08, 2011

Imagem (Baseado em uma obra de mesmo nome, de Cecilia Meireles)

Meus pés já cansados subiam a montanha íngreme e pedregosa, hesitando a cada passo. Era um dia quente de verão, abafado, sem vento, daqueles que você pede com todas as forças que as nuvens carregadas tapem o sol e água despenque do céu.

Eu caminhava sozinha. Mas não por muito tempo.

Ele surgiu de repente, seus olhinhos tristes me observavam como se gritassem por colo e um pouco de água. Pobre animalzinho. Seu pelo era tão ralo, onde ainda o possuía, que se lhe viam luzir as pulgas sobre os arcos das costelas. Só que não era um gatinho comum, além de débil e mal tratado, era preto. Os meus sentimentos entraram em conflito. Tantos, tão misturados, falavam ao mesmo tempo dentro de mim. O medomurmurava cauteloso: “ Deixe-o aí, lembras de todas as histórias supersticiosas. Melhor prevenir.” A vaidade, tão ignorante, falava: “Melhor é seguir caminho. Ele sujaras toda tua roupa e ainda te contaminaras com pulgas ”. A culpa, amedrontada com o que poderia acontecer com o pobre, gritava: “Não queres viver com a ideia de que deu-o de mão beijada para a morte!” E o amor, tão piedoso e verdadeiro, chorava: “Ele é um pobre inocente, nada fez de mal a ninguém, apenas pegue-o e cuide-o”. Mas o medo e a vaidade eram tão severamente autoritários.

Segui meu caminho, sem olhar para trás, porém ao olhar para o lado, vi sua pequena imagem aos meus pés, seguindo-me, tentando acompanhar com fervor meus passos acelerados, que diminuíram instantaneamente. Será, que de algum modo, ouvira as lamúrias do amor? Deixei que viesse comigo, até onde agüentasse.

Quem seria tão cruel a ponto de abandoá-lo em um lugar tão deserto, onde chances nenhuma de vida teria? É triste pensar que existem pessoas assim, talvez, seu antigo dono, fosse um supersticioso, daqueles tão crentes que evitava até passar perto de escadas, e que morreria se, por infelicidade, quebrassem um espelho. É, pessoas assim existem. Talvez o pequeno pudesse ir comigo até o vilarejo, onde, provavelmente haveria uma senhora com coleções de gatos, que não se importaria em adotar mais um, ou até mesmo, eu poderia adotá-lo. A ultima idéia era tão improvável quanto à chuva em meio essa seca.

Trotava, sempre ao meu lado, vezes dava alguns pulinho para desviar de pedras maiores. Vários tombos de cara caiu o desajeitado, fazendo de meus lábios escaparem sorrisos. O amor voltou a falar-me com compaixão: “Não é bom ter uma companhia, não te sentes menos sozinha e com mais animo para subir a montanha? Imagina se o tivesse contigo sempre?” E, como se escutasse novamente, o que o amor dizia, o gato miou. Um miado engasgado, quase sem forças, que me fez parar. Ele, porém, seguiu, e ao se dar por minha ausência, olhou para os lados, voltando ao meu alcance. Agachei-me, estendi-lhe minha mão. Sua pequena cabeça encaixou-se tão perfeitamente a ela, que seus olhinhos tristes se fecharam, muito baixo podia se escutar um ronronar, como um quase silencioso pedido de ajuda muito esperançoso. Então, a vaidade gritou, tão autoritária e repulsiva, que me fez pular: “Afasta-te deste bicho pulguento!” O gatinho saltou assustado.

Continuamos nosso caminho. “Continuamos”? Quer dizer que agora já estávamos juntos? Eu podia ver cada vez mais a esperança em seus olhinhos precisados. Lembrei-me de tantos outros bichinhos que eram todos os dias largados a beira das estradas para morrerem, ou atropelados, ou de necessidades. Sorte daqueles que morriam logo. Alguns até tentavam voltar para casa, e era nessas tentativas que a morte os encontrava primeiro, como pacificadora, resgatando-os do sofrimento de não ter um lar. O quão triste é para eles viver sozinho? Será que é como para nós humanos? Não. Com certeza eles sentem mais. Nunca abandonariam seu dono, nem na pior das hipóteses.

Perdi-me em meus pensamentos, que giravam mais rápido que um tornado, sem saber ao certo o que fazer. As várias vozes continuavam gritando ao mesmo tempo. Deixando-me num completo escuro. Sem uma luz. Sem um caminho. Seria tão idiota me sentir assim por causa de um gato miserável? Por que fora eu que o encontrei, e não qualquer outra pessoa? “Não foi você que o encontrou, foi ele que te escolheu.” Alguém disse com paciência na minha mente, não consegui identificar qual das vozes era. Talvez fosse o amor, tão cheio de compaixão que criava ilusões. Eu não era uma pessoa tão boa para ele me escolher. O que tinha eu de mais? Era tão cheia de sentimentos ruins como qualquer outra pessoa. Tinha repulsa de tocar-lhe, ao mesmo tempo em que queria abraçar-lhe forte, cuidá-lo, para que nunca mais sofresse. Deus, que confusão triste. Por que me fizeste assim, tão inconstante com o que sinto? Eu sou ora pena, ora ignorância. Ora certeza, ora duvida. Mas mesmo assim eu seguia, e ele, quase alegre, seguia comigo.

Quase. Quase alegre. Porque de repente não estava mais lá. Deixara-me. Sumira de minha vista. Parei, resistindo ao impulso de chamá-lo. Mas como? Se nem ao menos um nome o pobre tinha? Ou será que tinha? Não importa. Onde fora parar? E a culpa tomou conta de mim. Eu nunca mais tornaria a vê-lo, simplesmente sumiu com o vento. Por que agora? Estávamos quase em casa. Deixou-me como as folhas deixam as árvores quando chega o outono. Talvez tenha parado para descansar, tão exausto estava da caminhada, e eu nem ao menos o esperei, assim, me perdera. A culpa me veio com mais força, atingindo-me como uma adaga bem ao meio do peito: Eu não fiz nada para ajudá-lo. Melancolia, solidão, saudade, todas ao mesmo tempo tomaram conta de mim. Mesmo assim segui, sozinha. O espírito do amor chorando dentro de mim, enquanto o medo, com todo seu egoísmo, dizia com rancor: “Foi melhor assim.”

Nada mais me restou daquele dia. A não ser a lembrança do gatinho que tão sofredor viu em mim a ajuda. Ajuda que o neguei. Fazia agora um bom tempo. Achei que o tinha esquecido, mas não. Essa tarde ao subir novamente a montanha deparei-me com um filhote de cachorro. O primeiro sentimento que gritou foi a culpa: “Agora podes te redimires”. O amor veio logo em seguida: “Não faça isso por redenção, faça por mim”. Os outros? Não os dei ouvidos. Lembrei da voz, aquela que não consegui identificar, que uma vez me dissera: “Não foi você que o encontrou, foi ele que te escolheu.” Talvez essa tenha sido a vóz da sabedoria. Aquela que faz agirmos conforme nossos valores. Sabedoria e inteligência, não são a mesma coisa. Quem é inteligente, teme, porque sabe que lhe fará mal. Quem é sábio, enfrenta o medo. Dessa vez não hesitei. Não por redenção. Mas por ele, o tão sábio amor.

Ponto de ônibus

O tempo estava fechado, mas mesmo assim, vez ou outra, o sol aparecia por entre as nuvens, tímido, porém sorridente, naquele gostoso frio de agosto. Eu estava no ponto de ônibus, esperando-o para poder ir para casa após uma longa e cansativa manhã de provas na escola. Perdi-me pensando sobre várias coisas, meus pensamentos estavam como um novelo de lã enrolada. Iam desde textos que li, até os próximos que eu escreveria… O meu ônibus ainda demoraria, mas meus olhos estavam fixos, olhando para o lado que ele viria, o tempo pouco me importava, na verdade nunca fui daquelas pessoas apressadas. Quando escutei uma vozinha, fina, como uma oitava difícil de alcançar. Ela me perguntava toda desinibida se o ônibus ainda demoraria a vir, sorri para ela, com toda a educação e apenas disse “não muito”. Ela se sentou ao meu lado. Senti-a inquieta, talvez fosse minha impressão, mas ela parecia ser daquelas meninas que gosta de uma conversa, mesmo com pessoas desconhecidas… Eu nunca fui desse tipo, sempre mais na minha, calada, sozinha, gostava de ser assim, a solidão e o silencio, para muitos, pode ser um grande inimigo amigo da infelicidade, para mim não, sempre foram meus amigos, companheiros da tranquilidade e dos sorrisos mais ingênuos, quando me permitiam viajar por aqueles pensamentos distorcidos e criar aquelas histórias fantasiosas que eu tanto gostava. Admiro muito quem é desinibido, sabe o que diz, sinto que esses são os mais seguros de si… Não me importo de ser o oposto, o meu amigo silencio, é um ótimo protetor.

Então, voltando à menina desinibida, ficamos lá. Por talvez uns 20min, ou menos, como disse, o tempo pouco me importa, de qualquer forma ele é relativo. O que para mim foram poucos 20min, para a pequena menina, poderiam ter parecido longas horas. É… Eu não sou uma boa companhia, creio. Confesso, não me lembro de seu rosto, nem a olhei direito, não presto atenção em detalhes desnecessários, sei que tinha cabelos negros como café forte, e era magra e pequena. Enfim, meu ônibus se aproximava, a pequena se levantou junto comigo e entrou em minha frente, apressada. Mas seus passos eram firmes, não tortos e desequilibrados como os meus, que parecia estar caminhando sobre uma corda bamba o tempo todo. Sentei-me ao fundo, ela passou a frente. Meus olhos vagavam janela a fora, observando os carros e as pessoas passarem, imaginava para onde cada uma delas estaria indo, de onde vinham, o que pensavam, como eram suas vidas. Não que eu me importasse, mas essa curiosidade muda sempre andou lado a lado comigo. Em algum momento meus olhos bateram com os dela, fingi indiferença, mas percebi que eram pretos como uma noite sem lua, ah, menina, somos tão diferentes, meus olhos são claros como as folhas escuras de uma árvore. A pequena continuava sentada, e eu me perguntava se nunca iria descer, passei por ela, cheguei mais perto da porta, assim não tinha o perigo de me confundir e esquecer de descer, ou descer no lugar errado a uma boa distância de casa. O fim da linha chegou para mim, felicidade me inundou quando o ônibus parou no ponto onde eu descia, meu estomago revirava de fome, e minha mãe, eu sabia, estava me esperando naquela esquina como sempre fazia, com um sorriso no rosto. Já falaria comigo mesmo eu estando uma boa distância dela, suas palavras sairiam ininteligíveis para mim, mas eu sorriria igualmente animada – afinal, eu fui bem naquela prova difícil que eu sabia, seria o assunto durante o almoço – apenas assentiria com a cabeça, eu não precisava entender para saber o que era. Quanto a menina, quase ia me esquecendo, desceu junto comigo, talvez more perto da minha casa.

Intruso

Ela o esperava, alegre que só, a menininha faceira. Como uma criança espera o papai Noel na véspera de natal, se bem que ele era o próprio presente. Amigo de infância, a história dos dois é daquelas que você lê em livros e suspira. Um romance inocente, pleno. Calmo como as águas de um lago profundo. O sorriso se estendia pelos lábios cada vez que ela lembrava do primeiro beijo, em baixo daquele abacateiro no outono daquele ano que ficou no passado e no presente dos dois. Coraçãozinho dá salto no peito, ele se aproxima. O cabelo negro lhe cobrindo os grandes olhos azuis como céu de verão; de longe se via luzir os dentes expostos em seu rosto. O menino dela.

- Fiquei o dia todo esperando para te ver.

- Ainda é cedo da tarde, meu querido.

- Pois me foram as horas mais longas.

E eles se entendiam no olhar, se conheciam como música conhece melodia, sempre em sintonia. Eram brisa, calmaria. Não precisavam de nada, e tinham tudo. Só que o nada veio, e mudou esse tudo que construíram. O nada era vendaval, tempestade, arrastava o que podia consigo. Água turbulenta de mar em noite escura, não deixava de ser profundo como as do lago. Porém, bem mais forte, meu caro. Olhos negros como dois ônix valiosos bem a mostra, para hipnotizar quem, por descuido, se atrevesse a os encarar. Não pensava, pesava, e fazia estragos. Roubou o coração da menina faceira, fez de refém, ela bem lutou, esperneou, tentou correr. Mas tem coisas que não se pode lutar contra, chegam, só chegam, assim, que nem visita inesperada. E dói, te faz tornar-se masoquista.

- Eu te amo, eu te amo tanto que me dói.

- Somos como sol e lua, minha pequena.

E eram. Foram. São. Precisavam um do outro, e só disso sabiam. Coração destroçado foi o que não faltou. Mas que intruso maroto e trapaceiro é esse tal do amor, não é verdade?

Querido grande amor do passado,

Pensei em te escrever hoje, não me entendas de forma errada, só me senti na vontade de contar-lhe um pouco como andam as coisas desde este tempo sem ti. Não por ti, mas por mim.

Ao abrir a janela esta manhã percebi, com um imensurável alivio, como a minha vida deu voltas. Em meio a essas voltas eu me perdi, fiquei tonta, muitas vezes caí. Não sabia qual caminho seguir, cheguei a pensar que seria melhor ficar parada no mesmo lugar e deixar que ela fosse embora sem mim. Mas não mais. Agora quero voar como borboleta que fugiu de casa, e não como passarinho de asa quebrada como tu. Quero sentir o vento no rosto, abrir a janela antes do sol nascer para acompanhar todos os detalhes e cores do dia, viver, menino. Tu entendes? Eu quero viver. Não apenas existir, eu quero sentir os aromas que a vida tem, a cada noite antes de dormir procurar aquela estrela que mais brilha no céu, dar meu nome a ela, já que ninguém o fará por mim. Quero seguir por mim mesmo, mesmo que meus passos dados sejam incertos, tortos e em falso. Cansei de seguir sua caminhada rápida pra lugar nenhum, sem tempo pra parar e tomar uma xícara de chá, porque tu preferias café. E ainda engolir o amargo quente sem sentir o gosto porque já era tarde de mais, e o tempo não andava em minhas mãos, agora ele anda… Agora, eu quero apreciar a vista.

E eu estou feliz, desde que tu foste embora, me senti mais leve, sem toda aquela bagagem que tu jogavas em minhas costas para eu aprender a caminhar. Posso dizer-te com um brilho maroto no meu olhar de menina que cresce que, agora, eu não preciso mais de ti. Nem ao menos sei se um dia cheguei a precisar, talvez sim, tu foste um grande alicerce para eu construir minha escada.

Mentir-te-ia eu, se dissesse que em algum momento não me senti cativada pela luz em meia-fase que emanava de ti. Ela me parecia tão inteira, acho que me deixei cegar só para não ficar só, mas, a solidão é tão mais confortável quando se sabe apreciar tudo que ela traz junto de si. Agora eu prefiro a escuridão à falta de uma luza completa, que me deixe cega por sua beleza e vida, e não por suas mentiras.

Sem mais delongas, cansei de escrever-te, tenho um dia inteiro para saborear. Espero que estejas tão bem quanto eu.

A ti desejo tudo aquilo que mereces.

Memórias

Tenho tanta coisa tua guardada em tanto lugar. Um livro na estante, mais dois no sofá, algumas fotos antigas em uma caixa naquela gaveta do fundo, onde costumo guardar coisas importantes, como restos de sorrisos e lembranças. Tenho cartas amassadas em alguma parte bem escondida pra ninguém encontrar, nem mesmo eu.

Aquele teu perfume barato comprado na farmácia aqui em frente continua no armário do banheiro, assim com seu cheiro ainda está nos lençóis que já esconderam nossos segredos. Mantenho também sua xícara em cima da mesa, onde deixaste pela ultima vez que te vi ali sentado, com aquele sorriso de menino que fugiu de casa, cantarolando uma música quase como um rouxinol resfriado, ela ainda está com resto de café quente, agora frio, e quilos de açúcar no fundo.

Tuas roupas ficarão no guarda-roupa que permanecerá fechado, até que tu resolvas voltar para procurar aquela camisa branca que te dei no natal do ano passado, lembro-me como me dizias que era tua favorita. Será que era verdade, querido, ou escapavas essas palavras apenas para ver meu sorriso satisfeito? Lembro-me como gostavas de ver-me feliz, principalmente quando tu era a causa de tal. Deixe-me te dizer… Sempre foste tu.

Teu tênis está jogado na sala de estar, perto da mesinha do telefone ao lado da poltrona que sentavas para tentar assistir futebol, enquanto eu acariciava teu cabelo de pequenos cachos dourados, fazendo assim teus olhos escaparem da TV pra mirar os meus verdes brilhantes. Será que alguma vez ouviste o palpitar do meu coração quando, com esses teus profundos negros cheios de segredos, dizias sem palavras que me amavas, em sussurros que precisavas de mim? Ele saia de meu controle, querido, ele era teu. Ainda é. E creio que será para sempre.

Tenho tanta coisa tua aqui, e não tenho mais nada que seja meu, pois mesmo tu faltando, eu vivo para ti. Para te esperar entrar pela porta sem fazer ruídos e dar-me sustos enquanto preparo para o jantar teu prato preferido. Eu continuo o preparando, todas as noites, quem sabe sintas o aroma e voltes. Visto a camisola daquela primeira vez que desvendaste o meu segredo, e me deito, deixando teu lado preparado com teu travesseiro preferido. As luzes apagam. O quarto está frio. O porta-retratos no chão. As roupas espalhadas. A ausência aconchegada. E eu… Reviro na cama saudade tua.

Vento de agosto

O vento frio de agosto batia na janela. Uivava lá fora, carregava as folhas e me fazia acordar do sonho inocente. Sem intenção de voltar o tempo vai passando, dando um até logo com cara de adeus, eu fico aqui… Esperando aquele beijo de boa noite, esperando te encontrar ao amanhecer, com aquele mesmo sorriso manhoso. Sua xícara de café ainda está do seu lado da mesa, porém o café está frio agora. Assim como eu, você e o sentimento. Mas ainda está lá, como uma lembrança insistente de que você também está. Com aquele mesmo olhar atento e maroto, aquelas conversas sem nexo e as piadas sem graça. Oh, meu menino, como fomos nos perder desse jeito? Fizemos tudo errado e ao mesmo tempo tudo tão certo. Você foi embora… Mas continua em mim, constante, forte, assim como o vento de agosto que faz ecos lá fora.

Conjugando o adeus


Sentou-se ao lado dela na varanda, naquela noite de lua nova e poucas estrelas. Olhos que fitavam o nada diziam muita coisa, o silêncio era gritante, assim como a verdade daquele momento. Vivendo uma realidade de mentirinha, espera o sol apontar no horizonte, e o canto dos primeiros passarinhos que anunciariam um novo dia inventado. Ficou imóvel. Ficaram. Por quanto tempo, quem sabe? Só ficaram. As palavras seriam vãs se fossem soltas na hora errada. Dessa vez tinha que ser certo, só dessa vez. Ele esperou, ela ansiou. Ansiou um momento, um olhar, um toque e mais uma daquelas palavras erradas. Ansiou uma atitude, ansiou algo real.

Pensamentos se voltaram para uma manhã de tempo fechado, o sol tímido por trás das nuvens tinha medo de mostrar sorrisos. O iluminar do dia era fraco, e, talvez por esse motivo, ele tenha notado o sorriso dela. Brilhando mais do que um raio de sol poderia brilhar. Seu olhar sereno fitando aquele céu azul de outono, no banco daquela praça no centro da cidade. Tudo tão tudo. Tudo tão nada. Tudo tão deles.

Foi de mais que se dissipou, como o vento fazendo ecos na janela, derrubando porta-retratos, espalhando lembranças, e indo embora. Indo sem tentar ficar. Indo e levando tudo. Só indo. Conforma-se, o verão nunca disse que ia durar para sempre, a chuva nunca disse que não voltaria chamais. Foi tão eterno quanto um segundo, e tão pleno quanto o céu pode ser azul. Foi. Um pretérito perfeito de lembranças.

O toque veio, gélido como deveria ser, na hora certa, tão verdadeiro que quase foi de mentira.

- Sol e lua… Se amam, mas se ofuscam, querida.

- Sempre em tempos opostos, vivendo sem realmente viver.

- Só prometa continuar iluminando meus escuros.

E ela prometeu. E ele partiu. E ambos continuaram, como deveria ser. Num pretérito totalmente imperfeito.

Meu Branquelo dos olhos claros,

Essa noite sonhei com você. Acho que ando te pensando de mais ultimamente. Não sei porque, pode ser saudade, aquela que dói. Que chega e fica morando no peito da gente. Saudade daquele tempo de nós dois que não volta mais. As músicas, nossas fotos e alguns filmes me remetem a uma nostalgia, e muitas vezes já me peguei desejando que o tempo voltasse. Que eu pudesse fazer as coisas serem diferentes.

Te olho de longe, e lembro de quando você cantava aquela música pra mim, lembro como você sabia meus gostos e satisafazia todas as minhas vontades só pra me ver feliz. Sinto falta de quando você sussurrava um “eu te amo” e sorria. Sinto falta de você dizendo que precisava de mim e que eu era essencial. Sinto falta, sinto tanta falta… Até do seu jeito de irmão ciumento quando achava que eu estava te trocando pelos meus outros amigos.

Lembra daquele aniversário surpresa? Como você sabia que era aquela a minha música preferida?

Aquele dia de lágrimas fica passando na minha cabeça, como um filme antigo, meio rabiscado, com falhas na imagem. Mas ainda posso sentir. Da mesma forma que sinto nas lembranças a vez que você bateu em minha porta ás dez horas da noite, com os olhos marejados e um pedido de desculpas nos lábios. Fiquei te esperando a tarde toda, era para ter chegado as cinco, menino. Você sabe o quanto fiquei brava? Por quem você estava me trocando? Mas as suas lágrimas gritaram, e era imposível ficar brava por muito tempo.

Dia desses eu vi um filme… E vi você. O menino triste dos olhos claros e cabelos negros. Alto e magro. Fazem dois anos, quase três, que não trocamos uma palavra, Júnior. E já fazem alguns meses desde a ultima vez que vi você de verdade, eu queria saber o que passou pelos seus pensamentos quando nossos olhares se encontraram… Eu não estou bem, sabe? Preciso daquela força que você me passava quando eu estava triste, preciso das suas palavras “Ei, mana, não fica triste, eu quero ver aquela menina alegre que faz os meus dias mais felizes.” Meu irmão de consideração… De coração.

Nossa mami… Ela também sente sua falta.

Você sente falta dela? Você sente minha falta?

Você lembra de mim?

E eu não entendo como tudo foi acabar desse jeito, tão de repente. Foi um mal entendido, uma história mal contada, uma mentira que inventaram pra estragar com a gente. Mas foi princialmente o nosso orgulho. Nos perdemos, e o tempo, o tempo não volta mais. Agora, são só lembranças e eu me pergunto todos os dias o por quê. Por que você não volta? Eu sinto sua falta. Falta desse seu jeito torto. As coisas seriam diferentes pra você se eu estivesse do seu lado. Você está feliz? Está feliz agora?

Vou te guardar pra sempre, como uma lembrança, naquele baú do passado.

Esteja bem, da sua Polaca.

segunda-feira, outubro 31, 2011

Pé na estrada

Annabela saiu de seu apartamento na parte norte da cidade no mesmo horário que sempre saia desde que terminara a faculdade e resolvera morar sozinha. Nunca se deu muito bem com seu padrasto, homem detestável, mandão e orgulhoso. Ele foi um dos motivos da mudança, o outro era a liberdade. Anna sempre foi o tipo de garota que corre com os cabelos cor de ouro ao vento, não gostava de se ver presa a regras e obrigações, porém, agora, se via tremendamente atrasada para o trabalho. Como sempre.

_Merda! - brandou irritada ao derramar um pouco de café quente em sua blusa, chamando atenção de algumas pessoas que passavam por ela. Jogou o copo no lixo e seguiu caminho entrando no seu Chevette 96 preto brilhante e muito bem cuidado.

A menina tinha um sonho: largar tudo e percorrer o Brasil apenas na conpanhia de sua filmadora, a coleção de CDs do Guns n’ Roses e do Ac/DC no porta-luvas. Queria novos ares, novas aventuras, queria ver o sol nascer na estrada e brilhar sobre ela fazendo o asfalto parecer um rio escuro. Cair na estrada sem planos, sem saber ao certo onde estária no dia de amanhã, sem um mapa e com pouco dinheiro na carteira. Podia talvez levar uma barraca e acampar no acostamento.

Mas agora trabalhava na pequena estação de rádio da cidade, escrevia as noticias que seriam divulgadas o dia todo, vez ou outra falava algumas palavras no microfone e adorava, sabia que naquele momento muitas pessoas a ouviam, mesmo que ninguém ligasse para o que ela falava. Se tornou a menina daquilo que ela mais odiava… Era uma menina de rotina.

_Rotina filha da puta! - chingava dirigindo seu carro pelas ruas de Petrópoles. E chingava o sol, e chingava o semaforo, o trânsito. O que mais sabia fazer era chingar, seu vocabulário se tornou muito rico nesses vinte e quatro anos de vida chingada - Vida de merda!

Irritava-se até na hora de estacionar, por que diabos ela tinha sempre que estacionar no mesmo lugar? A mesmice a acompanhava onde quer que ela fosse.

_Boa dia, Anna! - Quase chingou, mas se conteve à tempo de ver que era Marcos. Sempre gentil, calmo e de bem com a vida. Se Anna era furacão, girando em circulos mas sempre à procura de ser livre e arrasando o que estiver em seu caminho, Marcos, o menino dos olhos cor de mel e do sorriso fácil, era brisa de verão, aquela que você gosta de sentir no rosto, melhor do que ser brisa, ele era amigo, desde a faculdade. Já conhecia o jeito impetuoso e mal humorado de Anna, ria a custa de suas praguejações e sempre a consolova quando, em seus dias mais exaustos, ela ligava chorando para ele. Marcos foi o unico que a ouviu chorar, mas só ouviu, ver, ninguem ainda tinha conseguido.

_Só se for para você - revirou os olhos, descrente - como você consegue?

_Consegue o que?

_Estar sempre feliz, mesmo com essa vida de merda que a gente leva.

_Eu não acho minha vida uma merda, e é por isso que eu consigo estar feliz.

_Mas você não cansa? Não queria sair por aí? Conhecer pessoas… Lugares… Viver, Marcos. Eu quero viver! - Ela imaginava, almejava e Marcos via seus olhos brilhar.

Era com ele nessas horas que Annabela se sentia um pouco animada, quase como uma criança conformada por ter ganho uma boneca e não uma bicicleta no natal. Porque no fundo ela mantia a esperança. Um dia ainda ia jogar tudo pro alto. Gritar um basta e ir viver.