Annabela saiu de seu apartamento na parte norte da cidade no mesmo horário que sempre saia desde que terminara a faculdade e resolvera morar sozinha. Nunca se deu muito bem com seu padrasto, homem detestável, mandão e orgulhoso. Ele foi um dos motivos da mudança, o outro era a liberdade. Anna sempre foi o tipo de garota que corre com os cabelos cor de ouro ao vento, não gostava de se ver presa a regras e obrigações, porém, agora, se via tremendamente atrasada para o trabalho. Como sempre.
_Merda! - brandou irritada ao derramar um pouco de café quente em sua blusa, chamando atenção de algumas pessoas que passavam por ela. Jogou o copo no lixo e seguiu caminho entrando no seu Chevette 96 preto brilhante e muito bem cuidado.
A menina tinha um sonho: largar tudo e percorrer o Brasil apenas na conpanhia de sua filmadora, a coleção de CDs do Guns n’ Roses e do Ac/DC no porta-luvas. Queria novos ares, novas aventuras, queria ver o sol nascer na estrada e brilhar sobre ela fazendo o asfalto parecer um rio escuro. Cair na estrada sem planos, sem saber ao certo onde estária no dia de amanhã, sem um mapa e com pouco dinheiro na carteira. Podia talvez levar uma barraca e acampar no acostamento.
Mas agora trabalhava na pequena estação de rádio da cidade, escrevia as noticias que seriam divulgadas o dia todo, vez ou outra falava algumas palavras no microfone e adorava, sabia que naquele momento muitas pessoas a ouviam, mesmo que ninguém ligasse para o que ela falava. Se tornou a menina daquilo que ela mais odiava… Era uma menina de rotina.
_Rotina filha da puta! - chingava dirigindo seu carro pelas ruas de Petrópoles. E chingava o sol, e chingava o semaforo, o trânsito. O que mais sabia fazer era chingar, seu vocabulário se tornou muito rico nesses vinte e quatro anos de vida chingada - Vida de merda!
Irritava-se até na hora de estacionar, por que diabos ela tinha sempre que estacionar no mesmo lugar? A mesmice a acompanhava onde quer que ela fosse.
_Boa dia, Anna! - Quase chingou, mas se conteve à tempo de ver que era Marcos. Sempre gentil, calmo e de bem com a vida. Se Anna era furacão, girando em circulos mas sempre à procura de ser livre e arrasando o que estiver em seu caminho, Marcos, o menino dos olhos cor de mel e do sorriso fácil, era brisa de verão, aquela que você gosta de sentir no rosto, melhor do que ser brisa, ele era amigo, desde a faculdade. Já conhecia o jeito impetuoso e mal humorado de Anna, ria a custa de suas praguejações e sempre a consolova quando, em seus dias mais exaustos, ela ligava chorando para ele. Marcos foi o unico que a ouviu chorar, mas só ouviu, ver, ninguem ainda tinha conseguido.
_Só se for para você - revirou os olhos, descrente - como você consegue?
_Consegue o que?
_Estar sempre feliz, mesmo com essa vida de merda que a gente leva.
_Eu não acho minha vida uma merda, e é por isso que eu consigo estar feliz.
_Mas você não cansa? Não queria sair por aí? Conhecer pessoas… Lugares… Viver, Marcos. Eu quero viver! - Ela imaginava, almejava e Marcos via seus olhos brilhar.
Era com ele nessas horas que Annabela se sentia um pouco animada, quase como uma criança conformada por ter ganho uma boneca e não uma bicicleta no natal. Porque no fundo ela mantia a esperança. Um dia ainda ia jogar tudo pro alto. Gritar um basta e ir viver.
Nenhum comentário:
Postar um comentário